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  • Foto do escritorOscar Valente Cardoso

Desjudicializa Prev: Características e Impactos na Redução de Demandas Previdenciárias

A judicialização das questões previdenciárias representa um dos maiores desafios para o sistema judiciário brasileiro.


A quantidade significativa de processos que tramitam nos Tribunais (especialmente na Justiça Federal e no Superior Tribunal de Justiça) relacionados a benefícios assistenciais e previdenciários sobrecarrega o Judiciário e prolonga a espera dos cidadãos pela efetividade de direitos essenciais.


Diante deste cenário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Advocacia-Geral da União (AGU), em uma colaboração inédita, publicaram a Portaria Conjunta nº 4, de 15 de abril de 2024, instituindo a inovadora iniciativa denominada de Desjudicializa Prev.



Contexto de Judicialização e Necessidade de Reforma


De acordo com o relatório "Justiça em Números" de 2023, o volume de processos de Direito Previdenciário destaca-se como um dos principais fatores de lentidão na Justiça Federal.


Esse panorama é agravado pelo fato de que, entre janeiro e setembro de 2023, um sexto dos benefícios novos foram concedidos por meio de decisões judiciais, o que indica uma dependência excessiva do sistema judiciário para a garantia de direitos previdenciários.


A situação é agravada pela demora do INSS na implantação dos benefícios, o que ocorre tanto nas concessões administrativas quanto nas judiciais.


Essa alta taxa de judicialização reflete não apenas a complexidade e a falta de clareza das normas previdenciárias, mas também destaca as deficiências existentes na gestão administrativa desses benefícios.



Objetivos e Estrutura da Desjudicializa Prev


A iniciativa Desjudicializa Prev tem como principal objetivo a redução significativa do número de litígios previdenciários e assistenciais, a partir da adoção de medidas ativas de desjudicialização.


Entre as estratégias adotadas estão a não apresentação de contestação pela Procuradoria-Geral Federal nos processos que se enquadrarem nos temas predefinidos, a desistência de recursos já interpostos, a abstenção de interposição de novos recursos, além de propostas de acordos e soluções consensuais.



Temas Específicos


A portaria especifica inicialmente dez temas:


Tema 01 - É possível a concessão de benefício de prestação continuada quando se pleiteia, com base no § 14 do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, a desconsideração de renda proveniente de benefícios assistenciais e previdenciários, no valor de até um salário-mínimo por membro do grupo familiar que se enquadre nos conceitos de idoso a partir de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência.

 

Tema 02 - É possível o reconhecimento da condição de dependente de filho ou irmão inválidos, quando a invalidez for posterior à maioridade e anterior ao óbito.

 

Tema 03 - É possível o enquadramento do menor sob guarda judicial como dependente para fins de concessão de benefício previdenciário, ante a decisão do Supremo Tribunal Federal nas ADIs 4878 e 5083, desde que comprovada a dependência econômica. Não aplicação a benefícios cujo fato gerador tenha ocorrido após 13/11/2019 (data da vigência do art. 23, § 6º, da EC nº 103/2019).

 

Tema 04 - Para a concessão de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei nº 8.213/1991) no regime anterior à vigência da MP 871/2019 (ou seja, para prisões ocorridas até 17/01/2019), o critério de aferição de renda do segurado que não exerce atividade laboral remunerada no momento do recolhimento à prisão é a ausência de renda, e não o último salário de contribuição.

 

Tema 05 - É possível a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição a trabalhador urbano empregado, mediante o cômputo de atividade rural com registro em carteira profissional, em período anterior ao advento da Lei nº 8.213/1991, para efeito da carência exigida no art. 142 da Lei de Benefícios.

 

Tema 06 - Após o advento da Lei nº 9.876/1999, e para fins de cálculo do benefício de aposentadoria, no caso do exercício de atividades concomitantes pelo segurado, o salário-de-contribuição deverá ser composto da soma de todas as contribuições previdenciárias por ele vertidas ao sistema, respeitado o teto previdenciário.

 

Tema 07 - No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RGPS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.

 

Tema 08 - É constitucional o cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa.

 

Tema 09 - O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.

 

Tema 10 - O termo inicial do prazo decadencial para pedido de revisão da renda mensal inicial (RMI) de benefício previdenciário, para incluir verbas remuneratórias recebidas em ação trabalhista nos salários-de-contribuição que integraram o período básico de cálculo (PBC) do benefício, começa a fluir a partir do trânsito em julgado da sentença na respectiva reclamatória, devendo ser precedido de prévio requerimento administrativo de revisão, o qual será o termo inicial dos efeitos financeiros.


A escolha desses temas visa enfrentar pontos de alta litigiosidade e complexidade interpretativa, que frequentemente resultam em processos judiciais prolongados, com resistência por parte da autarquia federal no reconhecimento do direito dos autores.



Mecanismos de Implementação


Para a implementação efetiva das medidas, a portaria prevê a identificação dos processos judiciais relevantes no prazo de 60 dias a partir de sua publicação.


Posteriormente, a Procuradorai Federal deve adota as medidas de desjudicialização conforme o fluxo definido em cada Procuradoria Regional Federal.


Além disso, um sistema de monitoramento será estabelecido para avaliar a eficácia da iniciativa e realizar os ajustes necessários.



Impactos Esperados e Benefícios Socioeconômicos


O Desjudicializa Prev promete transformar significativamente o panorama da justiça previdenciária no Brasil.


Ao reduzir o volume de processos, espera-se uma agilização no tempo de resposta do Judiciário a esses litígios, o que poderá ser ampliado futuramente em outras matérias.


Essa agilidade pode resultar na economia de recursos para o governo e na redução de custos operacionais para o sistema judiciário. Para os cidadãos, a principal vantagem será a resolução mais rápida dos processos previdenciários, assegurando o acesso a benefícios de maneira mais rápida e menos burocrática.



Conclusão


A Portaria Conjunta nº 4 de 2024 do CNJ e da AGU é um marco importante na reforma do sistema previdenciário brasileiro e reflete um esforço concentrado de diversos órgãos do governo para resolver um problema crônico de judicialização.


A iniciativa não só busca desafogar o sistema judiciário, mas também promover uma justiça mais acessível e eficiente. Com a sua implementação, espera-se que o Desjudicializa Prev sirva como modelo para outras áreas do Direito que enfrentam desafios semelhantes, promovendo uma cultura de diálogo e solução consensual de conflitos no Brasil.




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