top of page
  • Foto do escritorOscar Valente Cardoso

Alterações no Código de Processo Civil: Lei 14.713/2023 e Audiência de Conciliação ou Mediação

A Lei nº 14.713, de 30 de outubro de 2023, realizou modificações sobre o Código Civil e o Código de Processo Civil, com foco em um tema extremamente sensível: a violência doméstica ou familiar.


Os dispositivos da lei consistem na:


(a) alteração do § 2º do art. 1.584 do Código Civil, que versa sobre a guarda compartilhada;


(b) e inclusão do art. 699-A ao Código de Processo Civil, acerca da realização de audiência de conciliação ou mediação em casos de risco de violência doméstica ou familiar.



Alterações no Código Civil


No Código Civil, a mudança ocorreu no § 2º do art. 1.584, da seguinte forma:


(a.1) antes da alteração, o dispositivo estabelecia que, quando não houvesse acordo entre os genitores quanto à guarda dos filhos, a guarda compartilhada seria a regra, desde que ambos estivessem aptos a exercer o poder familiar (e exceto quando um deles declarasse ao juiz do processo sua ausência de interesse na guarda);


(a.2) após a modificação, o texto legal manteve a regra e a exceção anterior, com o acréscimo de uma exceção, consistente no afastamento da guarda compartilhada caso existam elementos que indiquem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar.


Portanto, mesmo que os genitores estejam teoricamente aptos a exercer o poder familiar, se houver riscos associados à violência doméstica ou familiar, a guarda compartilhada pode não ser o regime mais adequado, no objetivo principal de preservar o bem-estar da criança ou do adolescente.



Alterações no Código de Processo Civil


No Código de Processo Civil, a Lei nº 14.713/2023 inseriu o art. 699-A, que prevê:


"Art. 699-A. Nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação de que trata o art. 695 deste Código, o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes".


O dispositivo está inserido no Título III do Livro I da Parte Especial do CPC, que regula os procedimentos especiais, mais especificamente no Capítulo X, que regula as ações de família.


Assim, há uma nova providência procedimental a ser adotada nas demandas de família (especialmente nos casos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação). Antes de iniciar a audiência de mediação ou conciliação, o juiz deve perguntar às partes e ao Ministério Público sobre a existência - ou não - de risco de violência doméstica ou familiar. Caso haja ao menos uma resposta positiva sobre tal risco, deve ser concedido o prazo de 5 dias para a apresentação de provas ou indícios relacionados ao fato.


A norma inclui uma camada adicional de proteção e busca garantir que as questões de violência doméstica ou familiar sejam tratadas de forma prioritária, antes de qualquer tentativa de conciliação ou mediação.


Contudo, a redação do dispositivo legal contém algumas lacunas e gera dúvidas, tais como:


- O juiz deve indagar as partes e o Ministério Público na decisão que designa a audiência ou os questiona no início da audiência?

- E se a audiência for conduzida por um mediador ou conciliador, ele deve fazer essa pergunta sobre o risco de violência doméstica ou familiar? Ou incumbe apenas ao juiz?

- Caso a resposta à indagação feita na audiência seja positiva, o ato deve - ou não - ser adiado, para a apresentação de provas e a adoção das medidas cabíveis? Ou a audiência é realizada, com a posterior apreciação das provas e da questão?


Momento de Questionamento das Partes e do Ministério Público


Em primeiro lugar, quanto ao momento de questionamento das partes e do MP pelo juiz, o art. 699-A do CPC estabelece que o magistrado deve fazer a indagação "antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação". Isso sugere apenas que a pergunta deve ocorrer em um momento anterior ao início efetivo da audiência. No entanto, o texto não especifica se essa indagação ocorrerá por meio de uma decisão prévia à audiência (como a própria decisão que a designar) ou se será realizada presencialmente, na sala de audiências e antes da abertura formal do início do ato.


A interpretação e prática podem variar conforme o entendimento dos tribunais e magistrados.


A justificativa do Projeto de Lei nº 2.491/2019, do Senado Federal, faz referência ao questionamento e à apresentação de provas durante a realização da audiência:


"No âmbito da lei processual civil, este projeto tem por escopo impor ao juiz, nas ações de guarda, o dever de indagar as partes envolvidas e o Ministério Público sobre a violência doméstica e familiar entre as partes envolvidas. Para tanto, é preciso que se demonstre, por meio da prova pertinente, durante a audiência de mediação e conciliação ou posteriormente, se existe situação de violência doméstica e familiar, fixando, desde logo, o prazo de 5 (cinco) dias para que se apresentem as provas ou indícios pertinentes".


Porém, também é plausível interpretar o dispositivo legal no sentido de que o questionamento deve ocorrer na decisão que designa a audiência, para que as partes e o MP respondam antes da data de realização da sessão, a fim de que seja possível a apresentação de provas antes da ocorrência do ato.


Acerca da intimação prévia das partes e do MP, são argumentos favoráveis:

- Preparação prévia: a intimação em momento anterior à audiência permite que as partes se preparem especificamente para abordar o assunto no ato (inclusive de modo emocional e psicológico), para responder às perguntas do juiz e do MP, além de apresentar as provas no ato;

- Melhor organização processual: ao saber antecipadamente da ocorrência ou do risco de violência doméstica ou familiar, o juiz pode se preparar adequadamente para a audiência, o que compreende inclusive a adoção de medidas de proteção ou a alteração da logística da sessão;

- Otimização do tempo: ao intimar previamente as partes, evita-se que a audiência seja desnecessariamente adiada caso surja a necessidade de apresentação de provas ou outras medidas relacionadas à violência;

- Possibilidade de intervenção: quando a violência referida for confirmada ou existirem provas suficientes de sua ocorrência, medidas protetivas podem ser tomadas antes mesmo da audiência, a fim de garantir maior segurança às vítimas.


Por outro lado, são argumentos contrários à intimação prévia:

- Risco de influência nas respostas: as partes, ao serem intimadas previamente sobre a questão, podem se sentir influenciadas ou coagidas (por terceiros ou pelo próprio ambiente) a responder de uma determinada maneira;

- Criação de ambiente prejudicial à mediação ou conciliação: tratar com antecedência essa questão pode gerar novos conflitos entre as partes e comprometer o clima buscado na audiência;

- Postergação do processo: a fixação de prazo para resposta e a produção de provas pode atrasar a data de realização da audiência e de eventual solução consensual do conflito.


Sobre a inquirição das partes e do MP apenas na abertura da audiência, são argumentos favoráveis:

- Espontaneidade nas respostas: a pergunta direta a cada parte no início da audiência pode garantir respostas mais genuínas, sem influências externas;

- Burocracia reduzida: este rito evita a necessidade de intimações ou de informações adicionais, simplificando a tramitação processual;

- Flexibilidade: o magistrado pode de adaptar o andamento da audiência com base nas respostas recebidas em tempo real.


Por outro lado, são argumentos contrários ao questionamento na abertura da audiência:

- Surpresa e stress: ainda que se saiba previamente que a inquirição será realizada, abordar um tema tão delicado e sensível diretamente na audiência pode produzir reações emocionais intensas e inesperadas;

- Insuficiência das providências: caso os indícios de violência sejam revelados na abertura da audiência, as medidas adotadas no momento podem não ser suficientes e adequadas para resolver a situação;

- Possibilidade de adiamento: a resposta positiva leva à necessidade de apresentar provas ou tomar medidas protetivas, o que pode fazer com que a audiência seja adiada, protelando o tempo de tramitação do processo.


Logo, cada opção possui vantagens e desvantagens que devem ser analisadas pelo juiz competente, e a definição de uma delas deve ocorrer com fundamento no bem-estar das partes e na eficiência processual (entre outros fundamentos possíveis).



Questionamento das Partes pelo Juiz ou pelo Conciliador ou Mediador?


Em segundo lugar, o dispositivo menciona expressamente que incumbe especificamente ao juiz indagar as partes e o MP sobre a possível existência de violência doméstica ou familiar. Assim, não há referência direta ao papel do mediador ou conciliador nesse sentido. Com isso, a regra legal ignora o previsto no § 1º do art. 334 do CPC, segundo o qual a condução da audiência deve ser feita pelo conciliador ou mediador (nas Comarcas em que houver o profissional especializado). Como a mediação e conciliação visam um ambiente seguro e construtivo para ambas as partes, seria prudente que mediadores e conciliadores também estivessem cientes do risco de violência doméstica ou familiar, para atuar de acordo com o previsto no art. 699-A do CPC. Logo, quando a audiência de conciliação ou mediação em ação de família for conduzida por conciliador ou mediador, o cumprimento da norma legal exige que o juiz questione as partes sobre o referido risco na decisão que designar o ato.



Procedimento para a Produção de Provas


Em terceiro lugar, o art. 699-A do CPC estipula o prazo de 5 dias "para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes", caso a resposta à indagação do juiz sobre o risco de violência doméstica ou familiar seja positiva. Porém, o dispositivo não esclarece explicitamente o procedimento subsequente a ser observado, motivo pelo qual algumas questões podem surgir:


- Adiamento da audiência: conforme a gravidade dos indícios ou provas apresentadas, pode ser adequado adiar a audiência, para garantir a segurança das partes e permitir que o juiz avalie as informações apresentadas;


- Realização da audiência, com posterior apreciação das provas: em outros casos, a audiência pode prosseguir, e a questão da violência doméstica ou familiar pode ser apreciada posteriormente, em conjunto com as provas apresentadas no referido prazo de 5 dias, a contar da data da audiência.

Portanto, a insuficiência do texto legal para responder a essas questões significa que elas serão resolvidas pela interpretação judicial e, eventualmente, pela formação de jurisprudência ao longo do tempo, a fim de uniformizar o entendimento e a aplicação da norma.




1.405 visualizações0 comentário
bottom of page