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  • Foto do escritorOscar Valente Cardoso

A Revisão da Revisão da Vida Toda: Tema 999 do STJ, Tema 1.102 do STF e ADI 2110 e 2111 do STF

A tese revisional denominada de "revisão da vida toda" pretende a inclusão no cálculo dos benefícios previdenciários as contribuições realizadas antes de julho de 1994.


Esta tese surgiu como uma resposta às limitações impostas pela Lei nº 9.876/99, que estabeleceu um novo método de cálculo baseado apenas nas contribuições posteriores a julho de 1994, o que prejudicou potencialmente todos os segurados que tiveram contribuições mais elevadas antes dessa data.


O marco temporal foi escolhido por duas razões principais. A primeira delas foi a de coincidir com a implementação do Plano Real no Brasil, que estabilizou a economia e a inflação, alterou a moeda (que passou a circular a partir de 01/07/1994) e criou um ambiente de maior previsibilidade econômica. Assim, para evitar a complexidade de cálculos previdenciários com duas ou mais moedas diferentes, a Lei nº 9.876/99 definiu que os benefícios seriam apurados exclusivamente a partir das contribuições recolhidas em reais. Além disso, julho de 1994 também marca o início da era da informatização no INSS, o que facilitou o acesso, o tratamento dos dados de contribuição dos segurados e, consequentemente, a elaboração dos cálculos.


Assim, essa data de corte foi usada para simplificar os cálculos previdenciários, mas acabou prejudicando os segurados que tinham contribuições mais altas no período anterior, o que motivou a discussão denominada de revisão da vida toda.



Fundamento Legal


A base legal da revisão da vida toda está no art. 29 da Lei 8.213/91, modificado pela Lei nº 9.876/99.


Antes dessa modificação, o salário de benefício era calculado a partir da média aritmética simples dos últimos 36 salários de contribuição, dentro de um período máximo de 48 meses.


Com a Lei nº 9.876/99, a regra mudou para a média dos 80% maiores salários de contribuição de todo o período contributivo do segurado:


Art. 29. O salário-de-benefício consiste:

I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;

II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo”.


Contudo, essa lei introduziu uma regra de transição no seu art. 3º, segundo a qual essa nova forma de cálculo seria aplicada para a partir de sua entrada em vigor, ainda que para os segurados filiados anteriormente ao RGPS, e que a média dos 80% maiores salários-de-contribuição consideraria apenas aqueles recolhidos a partir de julho de 1994:


"Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei".


Portanto, a controvérsia principal diz respeito à constitucionalidade (ou não) da regra de transição prevista no art. 3º da Lei nº 9.876/99, publicada e em vigor no dia 29/11/1999, que limitou o cálculo dos benefícios concedidos após essa data aos salários-de-contribuição existentes a partir de julho de 1994:



Precedentes Vinculantes da Revisão da Vida Toda


Inicialmente, em setembro de 2018, a 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região concluiu o julgamento de seu IRDR nº 4, em que reconheceu a legalidade e a validade dos critérios estabelecidos pelo art. 3º da Lei nº 9.876/99 e pelos incisos I e II do art. 29 da Lei nº 8.213/91 (modificada pela Lei nº 9.876/99). O enunciado do precedente elaborado tinha o seguinte teor (posteriormente, após o julgamento do STJ, o TRF4 extinguiu esse IRDR):


"A regra permanente do art. 29, I e II, da Lei 8.213/91 somente aplica-se aos novos filiados ao Regime Geral de Previdência Social, não sendo a regra de transição prevista no art. 3º da Lei 9.876/99 desfavorável aos segurados que já estavam filiados ao sistema, em comparação com o regramento antigo".


Ao apreciar a mesma questão de direito no Tema nº 999 dos Recursos Repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça modificou o precedente firmado pelo TRF4 e permitiu ao segurado filiado ao RGPS até 25/11/1999 optar pela regra mais vantajosa (isto é, incluir ou não os salários-de-contribuição anteriores a julho de 1994):


Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º. da Lei 9.876/1999, aos Segurado que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999”.


Por fim (ou, aparentemente), essa questão foi afetada ao Tema nº 1.102 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, que, em 01/12/2022, estabeleceu o seguinte precedente vinculante:


"O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável".


Contudo, quase um ano depois, ao concluir o julgamento dos embargos declaratórios opostos pelo INSS, em 01/12/2023, o Plenário Virtual do STF anulou os julgamentos que levaram aos precedentes do Tema nº 1.102 do STF e ao Tema nº 999 do STJ, e determinou a restituição do processo vinculado a ele (RE 1276977) ao Superior Tribunal de Justiça, para reapreciar a matéria.


Nâo bastasse isso, antes mesmo de o processo ser devolvido ao STJ para reapreciação (considerando a pendência de julgamento de embargos divergentes), o Plenário do STF levou a julgamento as ADI 2110 e 2111, no qual, por maioria, declarou a constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.876/99.


Não bastasse isso, o STF também concluiu que a Constituição proíbe expressamente a aplicação de critérios diferenciados para a concessão de benefícios previdenciários, motivo pelo qual o segurado não tem o direito de optar por uma forma de cálculo que lhe seja mais benéfica (neste caso, anterior ou posterior à vigência da Lei nº 9.876/99).


Recorda-se que no Tema nº 70 da Repercussão Geral (julgado em 2008), o STF já havia decidido pela impossibilidade de adoção de dois regimes previdenciários distintos para o cálculo da aposentadoria:

 

"Na sistemática de cálculo dos benefícios previdenciários, não é lícito ao segurado conjugar as vantagens do novo sistema com aquelas aplicáveis ao anterior, porquanto inexiste direito adquirido a determinado regime jurídico".



Superação de Precedente: Questões Processuais


A principal questão (e lição) processual que se extrai desses julgamentos é a insegurança jurídica criada pela oscilação de julgamentos em um curto espaço de tempo, com a fixação de precedentes vinculantes contraditórios entre si (ainda que o primeiro não tenha transitado em julgado e tenha sido posteriormente anulado, por questão processual, pelo próprio STF).


No Código de Processo Civil, o tribunal competente para elaborar um precedente também tem competência para superá-lo, o que ocorre com a elaboração de um novo precedente vinculante. Contudo, isso exige a indicação específica de uma hipótese de superação, com um ônus argumentativo maior de fundamentação. A mudança de composição do órgão colegiado ou a modificação de entendimento dos próprios julgadores não deve ser, isoladamente, uma causa de superação de precedentes.


O art. 926 do CPC contém quatro deveres institucionais a ser observados pelos tribunais nos seus julgamentos: uniformização, estabilidade, integridade e coerência. As decisões, vinculantes ou não, precisam ser coerentes na interpretação e aplicação das normas jurídicas, ter uma fundamentação internamente compatível e manter um diálogo de conformidade entre os seus próprios acórdãos, para evitar o tratamento desigual de situações semelhantes.


Assim, a necessidade de observância desses deveres pelo Judiciário é essencial para assegurar a confiança dos jurisdicionados no sistema de justiça. A variação de interpretações sobre questões similares entre tribunais distintos ou mesmo dentro de uma única Corte demonstra a importância de um sistema de precedentes. Garantir a uniformidade e estabilidade das decisões, especialmente em temas de grande impacto social e econômico, é fundamental para promover a previsibilidade do Direito, o princípio da igualdade e a segurança jurídica, pilares fundamentais da Constituição.








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