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Prova Digital de Incapacidade: Wearables e Prontuário Eletrônico Integrado ao Meu SUS Digital podem Substituir a Teleperícia?

  • Foto do escritor: Oscar Valente Cardoso
    Oscar Valente Cardoso
  • há 3 dias
  • 4 min de leitura

A fila por perícia médica no INSS ainda provoca atrasos na concessão de benefícios por incapacidade. Desde a Lei nº 14.724/2023, que criou o Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social (PEFPS) e autorizou a teleperícia e a análise exclusivamente documental em hipóteses definidas em regulamento, o legislador sinalizou uma abertura para modelos probatórios mais ágeis.


Em 2024, a Portaria MPS nº 674 detalhou as hipóteses em que o exame remoto é admitido nos processos administrativos (nos benefícios previdenciários por incapacidade, no BPC da Assistência Social e na avaliação biopsicossocial da deficiência, entre outras).

Da mesma forma, a Resolução nº 595/2024 do Conselho Nacional de Justiça regulamentou a realização da teleperícia e da análise documental nos processos previdenciários e assistenciais.


Ainda assim, a capacidade operacional permanece limitada: nem toda Agência do INSS dispõe da infraestrutura mínima para a realização da videoperícia e a instabilidade de rede atrasa ou impede a realização do ato.


Paralelamente, o Ministério da Saúde vem fortalecendo o Meu SUS Digital (que substituiu o Conecte SUS) e o e-SUS APS (Atenção Primária à Saúde) como repositórios nacionais de prontuário eletrônico, a fim de permitir que qualquer médico autorizado visualize, em tempo real, exames, prescrições e o histórico clínico do cidadão. Esses registros oficiais, assinados digitalmente, trazem informações objetivas (CID, datas, resultados laboratoriais etc.) e conferem autenticidade via chaves ICP-Brasil. Para o advogado, trata-se de uma prova pré-constituída com valor da fé pública do profissional de saúde.


Em complemento, os wearables (relógios e anéis inteligentes, pulseiras de atividade, monitores de sono, sensores de glicose conectados etc.) incrementam esse cenário, ao gerarem dados contínuos de frequência cardíaca, saturação de oxigênio ou variações glicêmicas, entre outros.


Do ponto de vista processual (art. 369 do CPC), tais informações configuram "meio legalmente admitido", se preservada a cadeia de custódia. Ressalta-se que, especialmente em processos criminais, o STJ já decidiu que provas digitais colhidas sem metodologia pericial adequada perdem credibilidade e podem ser consideradas inválidas, em virtude de manipulação (sobre o assunto, por exemplo: AgRg no RHC 205429/GO, 5ª Turma, rel. Min. Messod Azulay Neto, j. 12/02/2025, DJEN 17/02/2025; AgRg no HC 828054/RN, 5ª Turma, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 23/04/2024, DJe 29/04/2024). Logo, não basta apenas exportar arquivos brutos do aplicativo, mas pode ser exigida a apresentação de relatório técnico que descreva a extração e garanta a integridade.


Há, ainda, a necessidade de observância da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD - Lei nº 13.709/2018). A datificação (o processo de transformar comportamentos, sinais biológicos e aspectos da vida cotidiana em dados digitais estruturados e passíveis de tratamento) em dispositivos vestíveis gera riscos de reidentificação, pois, mesmo quando os dados são anonimizados, técnicas de cruzamento e análise podem permitir a identificação do titular. Por exemplo, registros contínuos de frequência cardíaca, padrões de sono e localização podem, quando correlacionados, revelar a identidade e hábitos sensíveis de uma pessoa.


Além disso, há o risco de uso secundário dos dados de saúde, como a sua utilização para fins não inicialmente previstos, como pesquisas comerciais, marketing direcionado ou decisões automatizadas que impactem negativamente os direitos do titular. Esses riscos exigem salvaguardas, tais como a minimização dos dados (em observância ao princípio da necessidade), o uso de criptografia e, se for o caso, a obtenção do consentimento informado.


Quando o segurado apresentar relatórios de wearables no processo previdenciário (administrativo ou judicial), ele está exercendo seus direitos e, especialmente, a autodeterminação informativa, por ter a autonomia e o controle sobre o que pode ser feito com seus dados pessoais.


Comparada à teleperícia, a prova digital oferece vantagens, como o registro longitudinal da capacidade funcional, a ausência de deslocamento e a economia de recursos. Porém, a teleperícia ainda reúne atributos que os dispositivos vestíveis não entregam sozinhos, como a avaliação clínica global, o exame físico dirigido e a avaliação profissional do perito. O julgador tem mais segurança ao fundamentar a decisão em um laudo médico validado, do que em comparação com a necessidade de analisar gráficos exportados de dispositivos de consumo (cada um com graus de precisão variáveis).


Em síntese, os dados extraídos de wearables e o prontuário eletrônico integrado ao Meu SUS Digital constituem provas relevantes, aptas a antecipar ou corroborar as conclusões do perito e, em casos de benefício temporário, até dispensar o exame presencial. Entretanto, substituir integralmente a teleperícia ainda é prematuro, especialmente porque os relatórios de dispositivos vestíveis constituem provas documentais produzidas unilateralmente por uma das partes.


Assim, uma produção de prova mais completa pode combinara apresentação do prontuário eletrônico (para demonstrar o histórico clínico oficial, a evolução da doença e o tratamento realizado e recomendado pelo médico assistente) e de relatórios técnicos de dispositivos vestíveis (para ilustrar as limitações funcionais da parte autora no dia a dia); e a produção de prova pericial (presencial ou a teleperícia) para validar ou refutar esses achados.


Em síntese, enquanto as tecnologias e a regulação do tema continuam a evoluir, aproveitar as novas tecnologias como prova adicional garante maior segurança jurídica e mantém o foco no objetivo principal de proteger rapidamente o segurado incapacitado para o trabalho.




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