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  • Foto do escritorOscar Valente Cardoso

A Autonomia da Ação de Prestação de Contas no Inventário: Análise do Recurso Especial 1.931.806 do Superior Tribunal de Justiça

Atualizado: 25 de mar.

Em uma decisão relevante, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento acerca da possibilidade de herdeiros apresentarem ação autônoma de prestação de contas durante a tramitação de inventário, sem a necessidade de especificar os motivos que os levam a tal exigência (conforme exigido pelo art. 550, § 1º, do CPC).


Este posicionamento, cristalizado no julgamento do Recurso Especial nº 1.931.806/RJ, esclarece importantes aspectos processuais e substantivos acerca das relações jurídicas estabelecidas em procedimentos de inventário, especialmente entre herdeiros e inventariantes.


O acórdão tem a seguinte ementa:


"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO AUTÔNOMA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS CONEXA COM AÇÃO DE INVENTÁRIO. DEVER DE PRESTAÇÃO DE CONTAS QUE DECORRE DE LEI. DESNECESSIDADE DA PRIMEIRA FASE. PROPOSITURA DA AÇÃO AUTÔNOMA POR HERDEIRO. DESNATURAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA. INOCORRÊNCIA. DIREITO DE EXIGIR DO HERDEIRO E DEVER DE PRESTAR DO INVENTARIANTE INALTERADOS. OBRIGATORIEDADE DE ESPECIFICAÇÃO DE MOTIVOS (ART. 550, § 1º, CPC). INAPLICABILIDADE. REGRA INCIDENTE APENAS QUANDO HÁ A NECESSIDADE DE APURAÇÃO DO DEVER DE PRESTAR CONTAS. INVENTÁRIO EM QUE O DEVER DE PRESTAR DECORRE DA LEI. SUPRESSIO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA. ABANDONO PROCESSUAL. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS PRÓPRIAS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO CONDICIONADA À PROVOCAÇÃO DO RÉU. LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE QUE A PRETENSÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS NÃO SERIA MAIS EXERCIDA PELA PARALISAÇÃO DO PROCESSO POR DETERMINADO PERÍODO. INEXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA PRIMEIRA FASE DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. CABIMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO. FALECIMENTO DA INVENTARIANTE. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. POSSIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADE JUDICIAL COGNITIVA E INSTRUTÓRIA DESTINADA À FISCALIZAÇÃO DA ATIVIDADE DESEMPENHADA PELA INVENTARIANTE. CONFISSÃO DO ESPÓLIO. TRANSMISSIBILIDADE DA AÇÃO. SEGUNDA FASE INICIADA ANTES DO FALECIMENTO DA INVENTARIANTE.

1- Ação distribuída em 25/05/2009. Recurso especial interposto em 26/10/2020 e atribuído à Relatora em 05/04/2022.

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se as hipóteses de prestação de contas em apenso ao inventário e por meio de ação autônoma seriam semelhantes ou distintas, especialmente quanto ao momento em que deverá o inventariante prestar as contas aos demais herdeiros; (ii) se a inércia do autor poderia implicar na legítima expectativa de inexigibilidade das contas ou na redução do prazo da prestação de contas, sobretudo em virtude de uma espécie de supressio processual; (iii) se seria cabível a condenação do vencido em honorários advocatícios sucumbenciais na primeira fase da ação de prestação de contas; e (iv) se porventura se entender que existe o dever de a inventariante prestar contas, se esse dever ainda subsistiria em virtude de seu falecimento e da alegada intransmissibilidade da ação de prestação de contas.

3- Em se tratando de inventário, é desnecessária a propositura de ação autônoma de exigir contas, pois o próprio CPC estabeleceu um regime próprio, incidentalmente ao inventário, diante da existência de um dever legal de prestar contas imposto ao inventariante, sendo despiciendo investigar, previamente, se existe ou não o dever de prestar as contas.

4- O fato de ter sido proposta ação autônoma por um dos herdeiros, requerendo a prestação de contas relativa à ação de inventário, não é capaz de modificar, por si só, a natureza da relação jurídica havida entre as partes, em que há direito de exigir e dever de prestar por força de lei, de modo que não se aplica ao herdeiro o dever de especificar, detalhadamente, as razões pelas quais se exigem as contas (art. 550, § 1º, CPC), regra aplicável às hipóteses em que é preciso, antes, apurar a existência do dever de prestar contas.

5- Na hipótese, são fatos incontroversos que: (i) o acervo patrimonial inventariado é extremamente vultoso, compostos por inúmeros ativos tangíveis e intangíveis; (ii) a ação de inventário foi proposta em 2008; (iii) a prestação de contas foi requerida em 2009; (iv) aquela foi a primeira vez que o herdeiro recorrido se utilizou da prerrogativa de requerer a prestação de contas; e (v) até o momento, 14 anos depois, as contas não foram prestadas; tudo a justificar a determinação da prestação de contas.

6- Do fato de ser devida a prestação de contas ao final da ação de inventário por todo o período da inventariança deriva o fato de que será devida a prestação no curso dele, ainda que tenha havido a paralisação de seu andamento por determinado lapso temporal.

7- O processo judicial se orienta pelo princípio do impulso oficial, cabendo às partes noticiar, como manifestação do dever de boa-fé, as eventuais intercorrências que dificultem ou impeçam o encerramento da atividade jurisdicional.

8- A paralisação do processo por abandono da causa pelo autor poderá implicar na prolação de sentença sem resolução de mérito, mas a extinção somente poderá ocorrer, após a contestação, se requerida pelo próprio réu, eis que também ele, o réu, tem direito à tutela de mérito.

9- A consequência para a inércia do autor ou até mesmo para o abandono do processo não poderá ser a redução ou a eliminação de sua pretensão, uma vez que, no âmbito do processo, tais ações ou omissões não geram ao réu nenhuma legítima expectativa de desinteresse na pretensão que pudesse gerar alguma espécie de supressio processual e, quando muito, implicam em extinção do processo sem resolução de mérito que sequer impede a repropositura da mesma ação.

10- A decisão que encerra a primeira fase da ação de prestação de contas na vigência do CPC/15, conquanto interlocutória, é parcial de mérito, razão pela qual é cabível a condenação em honorários advocatícios. Precedentes.

11- Havendo, na ação autônoma de prestação de contas, atividade cognitiva e instrutória suficiente para a verificação a respeito da regularidade das atividades desempenhadas pelo inventariante falecido, existência de crédito, débito ou saldo no inventário e exame dos atos de gestão e administração praticados por ocasião do exercício da inventariança, é inadmissível a extinção da ação de prestação de contas sem resolução de mérito.

12- Na hipótese em exame, descabe a extinção do processo sem resolução de mérito por intransmissibilidade da ação em virtude do falecimento da inventariante, eis que o próprio espólio que a sucedeu confessou, em 1º grau de jurisdição, a existência de dezenas de caixas e de milhares de folhas de documentos relativas à prestação de contas do período em que a falecida exerceu a inventariança.

13- Recurso especial conhecido e não-provido, com majoração de honorários" (STJ, REsp 1931806/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12/12/2023, DJe 15/12/2023).



A Decisão e seus Fundamentos


Conforme relatado pela Ministra Nancy Andrighi, a demanda girou em torno da necessidade (ou ausência desta) de justificação detalhada por parte de um herdeiro ao requerer a prestação de contas por meio de uma ação autônoma, relacionada à administração do inventariante sobre os bens do espólio. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), ao analisar o caso, havia dado provimento à apelação do herdeiro, entendendo que o dever do inventariante de prestar contas decorre diretamente da lei, independentemente da motivação do herdeiro.


O STJ, ao analisar o recurso especial interposto pelo espólio da inventariante, confirmou o entendimento do TJRJ, reforçando que, no inventário, o dever de prestar contas pelo inventariante é uma imposição legal, configurando-se uma relação jurídica que dispensa a necessidade de especificação detalhada das razões pelas quais as contas são exigidas pelo herdeiro.



Implicações Jurídicas e Práticas do Julgamento


Este julgamento traz consequências significativas para a prática jurídica e para a relação entre herdeiros e inventariantes.


Em primeiro lugar, ele reconhece e reforça a posição dos herdeiros como fiscais da correta administração dos bens do espólio, permitindo que exerçam tal prerrogativa sem a necessidade de justificar detalhadamente as suas motivações.


Em segundo lugar, a decisão confirma que a ação de prestação de contas pode ser utilizada como um instrumento processual adequado para garantir transparência e probidade na gestão do espólio, assegurando que os interesses dos herdeiros sejam devidamente protegidos.


Ressalta-se ainda a relevância do entendimento de que o falecimento do inventariante não extingue a necessidade de prestação de contas, garantindo que a responsabilidade pela administração patrimonial seja devidamente escrutinada, mesmo após o inventariante original não mais ocupar tal posição.


Conclusão


O julgamento do Recurso Especial 1.931.806/RJ pelo STJ constitui um marco importante na jurisprudência relativa aos deveres dos inventariantes e aos direitos dos herdeiros em procedimentos de inventário. Ao afastar a necessidade de especificação detalhada das razões para a exigência de prestação de contas em ações autônomas, o STJ fortalece a fiscalização da administração dos bens do espólio, promovendo maior eficiência e transparência no processo de inventário.




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