Os embargos de terceiro são o meio processual adequado para o exercício da pretensão de quem teve um bem constrito ou sob o risco de ser constrito por decisão judicial, sem ter participado (como parte ou terceiro) do processo. Em outras palavras, é uma ação proposta por aquele que não é parte no processo alheio, com o objetivo de excluir um ou alguns de seus bens (sobre os quais exerce a posse) da constrição judicial.
Sob o aspecto procedimental, trata-se de um procedimento especial que tutela a posse ofendida por constrição judicial, regulado pelos arts. 674/681 do CPC.
Ainda, é uma forma atípica de intervenção de terceiros (ao lado, por exemplo, do recurso de terceiro prejudicado, previsto no art. 996 do CPC), por não estar prevista em lei como uma das espécies típicas de intervenção de terceiros (arts. 119 a 138 do CPC).
Também é uma ação possessória atípica (ao lado das ações de despejo e de nunciação de obra nova, entre outras). Porém, diferencia-se da ação possessória típica, em que o autor busca a proteção judicial contra a ameaça, a turbação ou o esbulho possessório, praticados pelo réu, enquanto nos embargos de terceiro esse ato de violação da posse é causado por um ato judicial.
De forma expressa, o caput do art. 674 do CPC admite os embargos de terceiro preventivos e repressivos (o CPC/73 previa apenas os embargos repressivos), ou seja, podem ser opostos não apenas depois de praticado o ato judicial, mas também em momento anterior, quando for certa a futura realização da constrição judicial Isso ocorre, por exemplo, com a averbação da existência de execução no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens (art. 828 do CPC), quando recair indevidamente sobre um bem de terceiro.
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar processo iniciado na vigência do CPC/73, admitiu a oposição dos embargos de terceiro preventivos, com base na averbação da execução no registro do veículo do devedor (o que já era autorizado pelo art. 615-A do CPC/73 e foi mantido no art. 828 do CPC/2015).
No julgamento do REsp 1726186, a 3ª Turma do STJ concluiu que, apesar da ausência de previsão expressa, a oposição preventiva dos embargos de terceiro já era possível na vigência do CPC/73, em acórdão assim ementado:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO CPC/1973. EMBARGOS DE TERCEIRO. AVERBAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE EXECUÇÃO NO REGISTRO DE VEÍCULO PERTENCENTE A TERCEIRO. JUSTO RECEIO DE INDEVIDA TURBAÇÃO NA POSSE. INTERESSE DE AGIR VERIFICADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.
1. Embargos de terceiro opostos em 23/08/2013. Recurso especial interposto em 05/08/2015 e atribuído a esta Relatora em 25/08/2016. Aplicação do CPC/73.
2. O propósito recursal consiste em definir se é possível a oposição de embargos de terceiro preventivos, isto é, antes da efetiva constrição judicial sobre o bem. Hipótese em que foi averbada a existência de ação de execução no registro de veículo de propriedade e sob a posse de terceiro.
3. Os embargos de terceiro constituem ação de natureza contenciosa que tem por finalidade a defesa de um bem objeto de ameaça ou efetiva constrição judicial em processo alheio.
4. Em que pese a redação do art. 1.046, caput, do CPC/73, admite-se a oposição dos embargos de terceiro preventivamente, isto é, quando o ato judicial, apesar de não caracterizar efetiva apreensão do bem, configurar ameaça ao pleno exercício da posse ou do direito de propriedade pelo terceiro.
5. Sendo promessa constitucional a inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88), o direito processual reconhece a viabilidade da tutela preventiva, tradicionalmente chamada de inibitória, para impedir a prática de um ato ilícito, não se condicionando a prestação jurisdicional à verificação de um dano.
6. A averbação da existência de uma demanda executiva, na forma do art. 615-A do CPC/73, implica ao terceiro inegável e justo receio de apreensão judicial do bem, pois não é realizada gratuitamente pelo credor; pelo contrário, visa assegurar que o bem possa responder à execução, mediante a futura penhora e expropriação, ainda que seja alienado ou onerado pelo devedor, hipótese em que se presume a fraude à execução.
7. Assim, havendo ameaça de lesão ao direito de propriedade do terceiro pela averbação da execução, se reconhece o interesse de agir na oposição dos embargos.
8. “Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios” (Súmula 303/STJ).
9. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 1726186/RS, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08/05/2018, DJe 11/05/2018).
A relatora concluiu que a ausência da previsão específica no Código anterior (e que o fato de o art. 1.046 do CPC/73 fazer menção apenas ao uso repressivo dos embargos) não afastava o direito genérico à tutela inibitória, que, neste caso, é exercido por meio dos embargos de terceiro, diante da ameaça de constrição judicial sobre um bem do embargante, que não participa do processo originário.
Ainda, cita em seu voto acórdãos anteriores das 1ª, 3ª e 4ª Turmas do STJ que admitem o cabimento dos embargos de terceiro preventivos: “(...) Os embargos de terceiro são admissíveis não apenas quando tenha ocorrido a efetiva constrição, mas também preventivamente. A simples ameaça de turbação ou esbulho pode ensejar a oposição dos embargos” (REsp 389854/PR, 4ª Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 03/12/2002, DJ 19/12/2002, p. 367). No mesmo sentido: REsp 751513/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 20/06/2006, DJ 21/08/2006, p. 250; REsp 1019314/RS, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 02/03/2010, DJe 16/03/ 1019314.
Em outro julgamento mais recente, a 2ª Turma do STJ também admitiu a oposição de embargos de terceiro “(...) quando o terceiro estiver na ameaça iminente de apreensão de bem de sua propriedade” (AgRg no REsp 1155796/SP, 2ª Turma, rel. Des. convocada Diva Malerbi, j. 09/08/2016, DJe 18/08/2016).
Portanto, após a vigência do CPC/2015, o STJ reafirmou o seu entendimento sobre o cabimento de embargos de terceiro preventivos no CPC/73. Na prática, e considerando que o art. 674 do CPC/2015 admite os embargos preventivos e repressivos, a decisão servirá apenas para a manutenção de eventuais ações preventivas já propostas (e em data anterior a 18 de março de 2016), como uma questão de direito intertemporal.
Artigo também publicado no Jusbrasil (clique aqui) e no Jus Navigandi (clique aqui).
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