A ação de produção antecipada de provas é regulada pelos arts. 381 a 383 do Código de Processo Civil e tem o objetivo principal de possibilitar a antecipação da produção de qualquer meio de prova, nas hipóteses autorizadas por lei.
A ação de produção antecipada de provas serve como um meio processual para assegurar que provas relevantes não se percam, ou viabilizar a solução consensual do conflito, justificar ou evitar a propositura de processo judicial, ou propiciar o arrolamento de bens, para que as partes tenham a oportunidade de constituir seus direitos de forma adequada.
Essa ação é tradicionalmente utilizada quando existe um risco de que determinado meio prova se torne indisponível ou menos confiável com o passar do tempo. Por exemplo, testemunhas podem se mudar ou falecer, documentos podem se deteriorar e condições específicas que são objeto de perícia podem mudar.
Além disso, o CPC/2015 ampliou o cabimento dessa ação, nas hipóteses acima referidas.
O procedimento para a ação de produção antecipada de provas é relativamente simples. A parte interessada deve ingressar com a petição inicial, indicando as razões para a antecipação da prova, o fundamento legal que a justifica e a espécie de prova que deseja produzir. O juiz, então, analisa o pedido e, se considerar pertinente, autoriza a produção da prova, com a citação dos interessados na produção da prova ou no fato a ser provado (e que, eventualmente, podem vir a ser partes em um processo futuro), com a sua posterior homologação, sem qualquer valoração.
Por se assemelhar a um procedimento de jurisdição voluntária, a ação de produção antecipada de provas tem limites, na qual se busca apenas a produção da prova, sem nenhuma valoração.
Por isso, o § 4º do art. 382 do Código de Processo Civil prevê que: "Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário".
Contudo, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no REsp 2037088/SP, que o interessado citado na ação não se limita a acompanhar a produção da prova, mas também pode exercer direitos e prerrogativas processuais derivados dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Conforme a ementa do acórdão:
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, COM FUNDAMENTO NOS INCISOS II E III DO ART. 381 DO CPC. DEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO, SEM OITIVA DA PARTE ADVERSA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, A PRETEXTO DE APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 382 DO CPC. CONTRADITÓRIO. VULNERAÇÃO. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia posta no recurso especial centra-se em saber se, no procedimento de produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º do art. 382 do Código de Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o exercício do contraditório, tal como compreenderam as instâncias ordinárias, a ponto de o Juízo a quo, liminarmente - a despeito da ausência do requisito de urgência - e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de imediato, a exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de nenhuma defesa; bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo dispositivo legal, nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a essa decisão. 2. O proceder levado a efeito pelas instâncias ordinárias aparta-se, por completo, do chamado processo civil constitucional, concebido como garantia individual e destinado a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive, como vetor interpretativo de todo o sistema processual civil. 3. Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de modo algum, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório. A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão. 4. Reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si, ressai claro que, no âmbito da ação probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de qualquer discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar, assim como sobre as consequências jurídicas daí advindas. 5. As ações probatórias autônomas guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno da própria prova, cujo direito à produção constitui a própria causa de pedir deduzida e, naturalmente, passível de ser resistida pela parte adversa, por meio de todas as defesas e recursos admitidos em nosso sistema processual, na medida em que sua efetivação importa, indiscutivelmente, na restrição de direitos. 6. É de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se no referido procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório, sob pena de se incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual, à ampla defesa, à isonomia e ao devido processo legal. 7. Recurso especial provido" (REsp 2037088/SP, 3ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 07/03/2023, DJe 13/03/2023).
A decisão estabelece que o interessado não está apenas limitado a acompanhar a produção da prova, mas também tem o direito de exercer direitos processuais, inclusive o de impugnar (de forma prévia ou posterior) a produção da prova requerida.
Dois princípios fundamentais que estão frequentemente em jogo na ação de produção antecipada de provas são o princípio do contraditório e o princípio da ampla defesa. Isso significa que, mesmo sendo uma ação destinada à produção (sem a valoração) de provas, as pessoas interessadas (e que possam formar a parte contrária de um processo futuro) devem ser ouvidas e ter a oportunidade de participar da produção dessa prova, o que compreende inclusive o direito de questionar a sua produção.
Com fundamento no princípio do contraditório, as partes devem ter a oportunidade de apresentar seus argumentos e de se manifestar acerca dos argumentos da parte contrária. A decisão do STJ reconhece que o interessado, mesmo em uma ação de produção antecipada de provas, deve ter a oportunidade de se manifestar e inclusive de questionar a produção da prova ou de impugnar as provas apresentadas.
Com base no princípio da ampla defesa, a parte interessada na produção antecipada de provas tem o direito utilizar todos os recursos e mecanismos legais para garantir sua futura defesa, o que pode compreender, em tese, a apresentação de provas contrárias na ação de produção antecipada de provas (que, reitera-se, são apenas produzidas, mas não valoradas).
Portanto, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça tem implicações significativas para a ação de produção antecipada de provas. Tradicionalmente, essa ação é vista como um procedimento de jurisdição voluntária, com a principal finalidade de obter provas para um processo futuro, sem a sua valoração. No entanto, com essa decisão, ressalta-se que as normas fundamentais do processo e que os direitos dos interessados devem ser efetivados.
Isso significa que, mesmo em ações que visam apenas a produção de provas, os princípios fundamentais do processo, como o contraditório e a ampla defesa, devem ser cumpridos. Em consequência, apesar de não apresentar contestação e de não haver litígio, o interessado tem o direito de participar ativamente da ação, impugnando provas, apresentando argumentos e provas contrárias, a fim de garantir que seus direitos sejam efetivados.
Em resumo, a decisão reforça a concepção de que o processo judicial, independentemente de sua natureza, deve sempre respeitar os direitos e garantias fundamentais das partes envolvidas.
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