Entre diversas leis, decretos e outros atos regulatórios (federais, estaduais, distritais e municipais) do estado de emergência de saúde pública nos anos de 2020 e 2021, a Lei nº 13.979/2020 regula as medidas que podem ser adotadas para proteger a coletividade e enfrentar as situações causadas pelo coronavírus responsável pelo surto a partir de 2019.
De forma exemplificativa (ou seja, sem excluir a aplicação de outras), o art. 3º da Lei nº 13.979/2020 lista as seguintes medidas:
- isolamento;
- quarentena;
- determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, tratamentos médicos específicos, vacinação e outras medidas profiláticas; ou
– uso obrigatório de máscaras de proteção individual;
- estudo ou investigação epidemiológica;
- exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;
– restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de entrada e saída do País, ou de locomoção interestadual e intermunicipal;
- requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, com o pagamento posterior de indenização justa;
– e autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na ANIVSA, desde que considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus (e observados determinados requisitos legais de registro).
Portanto, a Lei nº 13.979/2020 autoriza a instituição de vacinação compulsória como uma das medidas de enfrentamento da COVID-19.
Ainda sobre o assunto, em dezembro de 2020 o STF julgou as ADI 6586 e 6587, além do ARE 1267879 (com repercussão geral reconhecida e afetado ao Tema nº 1.103), nos quais foram questionados dispositivos da Lei nº 13.979/2020, e declarou a constitucionalidades das normas, inclusive da regra citada sobre a vacinação compulsória.
Conforme a tese fixada no Tema nº 1.103 da Repercussão Geral do STF:
"É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar".
De forma similar, na ementa do acórdão da ADI 6586:
"AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. VACINAÇÃO COMPULSÓRIA CONTRA A COVID-19 PREVISTA NA LEI 13.979/2020. PRETENSÃO DE ALCANÇAR A IMUNIDADE DE REBANHO. PROTEÇÃO DA COLETIVIDADE, EM ESPECIAL DOS MAIS VULNERÁVEIS. DIREITO SOCIAL À SAÚDE. PROIBIÇÃO DE VACINAÇÃO FORÇADA. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO CONSENTIMENTO INFORMADO DO USUÁRIO.
(...) II – A obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas. III – A previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima, desde que as medidas às quais se sujeitam os refratários observem os critérios constantes da própria Lei 13.979/2020, especificamente nos incisos I, II, e III do § 2º do art. 3º, a saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e, ainda, ao “pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas”, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, (...)".
Em resumo, o STF decidiu que a vacinação pode ser compulsória, mas não forçada, ou seja, depende do consentimento da pessoa vacinada.
Contudo, na prática, essa decisão permite a existência de normas de controle na entrada e na circulação de pessoas em determinados locais, condicionadas ao uso do denominado "passaporte da vacina".
Por exemplo, no dia 30 de setembro de 2021 o Ministro Presidente do STF suspendeu decisão judicial para permitir a vigência do Decreto Municipal nº 49.335/2021, do Rio de Janeiro, que condiciona, a partir de 01/09/2021, o acesso e a permanência no interior de estabelecimentos e locais de uso coletivo à prévia comprovação de vacinação contra a COVID-19, como uma medida de interesse sanitário de caráter excepcional.
O decreto referido se aplica a academias de ginástica, clubes sociais, estádios e ginásios esportivos, cinemas, teatros, salões de jogos, circos, recreação infantil, locais de visitação turísticas, museus, galerias e exposições de arte, parques de diversões, conferências, convenções, entre outros locais.
O art. 2º do Decreto Municipal nº 49.335/2021 prevê que o controle da entrada nesses estabelecimentos deve conferir o documento de identidade com foto e o comprovante vacinal de cada pessoa.
Em sua decisão na STP 824 MC, o Presidente do STF concluiu:
"(...) Neste exercício de cognição não exauriente sobre matéria e sem prejuízo de ulterior reconsideração, verifico que a restrição impugnada na origem é medida de combate à pandemia da Covid-19 prevista no rol exemplificativo do art. 3º da Lei Federal 13.979/2020, tendo a Municipalidade competência para sua adoção, nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, acima mencionada".
Além disso, não se pode deixar de levar em consideração a observância da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD - Lei nº 13.709/2018), especialmente na verificação dos dados pessoais da pessoa vacinada, tendo em vista que os dados relativos à saúde são sempre dados pessoais sensíveis, independentemente do contexto e da finalidade do tratamento (art. 5º, II, da LGPD). Por isso, a verificação de documentos e comprovantes de vacinação deve observar o princípio da necessidade (art. 6º, III, da LGPD), com a análise dos dados estritamente necessários para atingir o fim pretendido, que é a verificação da vacinação. Da mesma forma, deveria ser levada em conta a possibilidade de controle por meios que dispensem a verificação de detalhes sobre a vacinação (data, fabricante da vacina, local etc.), para evitar o tratamento de dados pessoais desnecessários.
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