O Supremo Tribunal Federal decidiu no dia 09 de novembro de 2023 o Tema nº 100 da Repercussão Geral, com a elaboração de precedente vinculante com as seguintes teses:
"1) É possível aplicar o artigo 741, parágrafo único, do CPC/73, atual art. 535, § 5º, do CPC/2015, aos feitos submetidos ao procedimento sumaríssimo, desde que o trânsito em julgado da fase de conhecimento seja posterior a 27.8.2001;
2) É admissível a invocação como fundamento da inexigibilidade de ser o título judicial fundado em ‘aplicação ou interpretação tida como incompatível com a Constituição’ quando houver pronunciamento jurisdicional contrário ao decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, seja no controle difuso, seja no controle concentrado de constitucionalidade;
3) O artigo 59 da Lei 9.099/1995 não impede a desconstituição da coisa julgada quando o título executivo judicial se amparar em contrariedade à interpretação ou sentido da norma conferida pela Suprema Corte, anterior ou posterior ao trânsito em julgado, admitindo, respectivamente, o manejo (i) de impugnação ao cumprimento de sentença ou (ii) de simples petição, a ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória".
Em resumo, o STF decidiu acerca da possibilidade de anulação de decisões definitivas dos Juizados Especiais Cíveis e o meio processual adequado para esse fim.
A questão é controvertida há muitos anos, tendo em vista a proibição expressa constante do art. 59 da Lei nº 9.099/95:
"Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei".
Por isso, via de regra, as decisões transitadas em julgado dos Juizados Especiais Cíveis eram consideradas imutáveis, em face da inadmissibilidade da ação rescisória, ainda que demonstrada a ocorrência de uma de suas hipóteses de cabimento.
A controvérsia já tinha sido levada ao STF no Tema nº 354 da Repercussão Geral ("Cabimento de ação rescisória contra decisão dos Juizados Especiais Federais"), que foi rejeitado com fundamento na ausência de repercussão geral, por se referir a matéria infraconstitucional.
Ao julgar o mérito do citado Tema nº 100 da Repercussão Geral, o STF estabeleceu novos parâmetros para essa questão.
A Suprema Corte decidiu que, embora as decisões judiciais definitivas tenham proteção constitucional, elas não são absolutas. Logo, quando a decisão transitada em julgado dos Juizados Especiais conflitar com a interpretação constitucional definida pelo STF, é possível postular a sua anulação.
O fundamento legal discutido para afastar a coisa julgada nos Juizados Especiais Cíveis (Estaduais, Federais e da Fazenda Pública) foi o art. 535, § 5º, do Código de Processo Civil:
"§ 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso".
Contudo, diante da proibição expressa constante do art. 59 da Lei nº 9.099/95, o STF definiu que a questão não pode ser alegada por meio de ação rescisória no Juizado Especial, mas sim por meio de impugnação ao cumprimento de sentença (se ainda estiver no prazo) ou de simples petição (a ser apresentada pela parte interessada no mesmo prazo da ação rescisória), no mesmo processo em que proferida a decisão questionada.
Logo, o STF definiu um limite temporal para a apresentação de alegação de vício na decisão transitada em julgado, que deve ocorrer no início da fase de cumprimento de sentença ou no prazo de cabimento da ação rescisória.
Não se trata de uma "ação rescisória com outra denominação", mas sim de um pedido de desconsideração da coisa julgada por inconstitucionalidade, que pode ser formulado por meio de petição simples ou de impugnação ao cumprimento de sentença, de acordo com o momento processual. A petição deve ser apresentada no prazo equivalente ao da ação rescisória, mas segue um procedimento simplificado.
O juízo competente é o Juizado de origem, em que foi proferida a sentença (transitada em julgado ou que levou ao acórdão que formou a coisa julgada) e, em regra, em que ocorreria ou ocorreu a fase de cumprimento.
Em suma, pode-se invocar a inexigibilidade de um título executivo judicial baseado em norma ou interpretação considerada incompatível com a Constituição, especialmente quando houver decisão do STF em sentido contrário. O art. 59 da Lei nº 9.099/95 não impede a anulação da coisa julgada se o título executivo judicial estiver em desacordo com a interpretação da norma dada pelo STF, proferida antes ou depois do trânsito em julgado do processo em tramitação no Juizado Especial.
Portanto, o precedente vinculante estabelecido pelo STF no Tema nº 100 reconhece a necessidade de harmonizar a imutabilidade das decisões judiciais com a supremacia da Constituição, a fim de garantir que as decisões proferidas nos Juizados Especiais estejam alinhadas com as interpretações constitucionais do STF.
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